A redução da desigualdade com o
Bolsa Família está chegando aos números da violência. Levantamento
inédito feito na cidade de São Paulo por pesquisadores da PUC-Rio mostra
que a expansão do programa na cidade foi responsável pela queda de 21%
da criminalidade lá, devido principalmente à diminuição da desigualdade,
diz a pesquisa. É o primeiro estudo a mostrar esse efeito do programa
na violência.
Em 2008, o Bolsa Família, que
até ali atendia a famílias com adolescentes até 15 anos, passou a
incluir famílias com jovens de 16 e 17 anos. Feito pelos pesquisadores
João Manoel Pinho de Mello, Laura Chioda e Rodrigo Soares para o Banco
Mundial, o estudo comparou, de 2006 a 2009, o número de registros de
ocorrência de vários crimes — roubos, assaltos, atos de vandalismo,
crimes violentos (lesão corporal dolosa, estupro e homicídio), crimes
ligados a drogas e contra menores —, nas áreas de cerca de 900 escolas
públicas, antes e depois dessa expansão......
— Comparamos os índices de
criminalidade antes e depois de 2008 nas áreas de escolas com ensino
médio com maior e menor proporção de alunos beneficiários de 16 e 17
anos. Nas áreas das escolas com mais beneficiários de 16 e 17 anos, e
que, logo, foi onde houve maior expansão do programa em 2008, houve
queda maior. Pelos cálculos que fizemos, essa expansão do programa foi
responsável por 21% do total da queda da criminalidade nesse período na
cidade, que, segundo as estatísticas da polícia de São Paulo, foi de 63%
para taxas de homicídio — explica João Manoel Pinho de Mello.
O motivo principal, dizem os
autores, foi a queda da desigualdade causada pelo aumento da renda das
famílias beneficiadas— Há muitas explicações de estudos que ligam queda
da desigualdade à queda da violência: uma, mais sociológica, é que
diminui a insatisfação social; outra, econômica, é que o ganho relativo
com ações ilegais diminui — completa Rodrigo Soares. — Outra razão é que
muda a interação social dos jovens ao terem de frequentar a escola e
conviver mais com gente que estuda.
Reforma policial ajudou a reduzir crimes
Apesar de estudarem no bairro
que já foi tido como um dos mais violentos do mundo, os alunos da Escola
Estadual José Lins do Rego, no Jardim Ângela, periferia de São Paulo —
com 1.765 alunos, dos quais 126 beneficiários do Bolsa Família —, dizem
que os assaltos e brigas de gangues, por exemplo, estão no passado.
— Os usuários de drogas entravam na escola o tempo todo — conta Ana Clara da Silva, de 17 anos, aluna do ensino médio.
— Antes, você estava dando aula e tinha gente vigiando pela janela — diz a diretora Rosângela Karam.
Um dos principais pesquisadores
do país sobre Bolsa Família, Rodolfo Hoffmann, professor de Economia da
Unicamp, elogia o estudo da PUC-Rio:
— Há ali evidências de que a
expansão do programa contribuiu para reduzir principalmente os crimes
com motivação econômica — diz. — De 20% a 25% da redução da desigualdade
no país podem ser atribuídos ao programa; mas há mais fatores, como
maior valor real do salário mínimo e maior escolaridade.
Professora da Pós-Graduação em
Economia da PUC-SP, Rosa Maria Marques também lembra que a redução de
desigualdade não pode ser atribuída apenas ao Bolsa Família:
— Também houve aumento do
emprego e da renda da população. E creio que a mudança na interação
social dos jovens beneficiados contou muito.
Do Laboratório de Análise da
Violência da Uerj, o professor Ignácio Cano concorda com a relação entre
redução da desigualdade e queda da violência:
— Muitos estudos comparando dados internacionais já apontaram que onde cai desigualdade cai criminalidade.
Mas são as outras razões para a
criminalidade que chamam a atenção de Michel Misse, coordenador do
Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ.
Misse destaca que a violência na capital paulista vem caindo por outros
motivos desde o fim dos anos 1990:
— O estudo cobre bem os índices
no entorno das escolas. Mas não controla as outras variáveis que
interferem na queda de criminalidade. Em São Paulo, a violência vem
caindo por pelo menos quatro fatores: reforma da polícia nos anos 2000;
política de encarceramento maciça; falta de conflito entre quadrilhas
devido ao monopólio de uma organização criminosa; e queda na taxa de
jovens (maioria entre vítimas e autores de crimes), pelo menor
crescimento vegetativo.
Para Misse, a influência do programa não foi pela desigualdade:
— É um erro supor que só pobres
fornecem agentes para o crime; a maioria dos presos é pobre, mas a
maioria dos pobres não é criminosa. Creio que, no caso do Bolsa Família,
o que mais afetou a violência foi a criação de outra perspectiva para
esses jovens, que passaram a ter de estudar.Informações Agência Globo